Zamp pode fechar capital: Mubadala avalia OPA abaixo do preço de mercado

Em um anúncio curto, mas carregado de implicações profundas para o mercado brasileiro, a Zamp S.A. (BKBR3) —

Em um anúncio curto, mas carregado de implicações profundas para o mercado brasileiro, a Zamp S.A. (BKBR3) — franqueadora das operações da Burger King e da Popeyes no Brasil — comunicou ao mercado no final do domingo, 25 de maio de 2025, que sua controladora, a gestora Mubadala Capital, está considerando a possibilidade de realizar uma oferta pública de aquisição (OPA) com o objetivo de fechar o capital da companhia. A notícia veio de maneira discreta, mas é tudo menos irrelevante para os investidores atentos ao setor de varejo e, especialmente, para os que acompanham movimentos estratégicos de fundos soberanos como o de Abu Dhabi.

A movimentação levantou muitas questões, mas a principal delas, como sempre, gira em torno do preço justo da ação, que, segundo a Mubadala, ficaria entre R$3,30 e R$3,50. No entanto, o mercado rapidamente notou a ironia desse intervalo: a ação da Zamp fechou na sexta-feira anterior cotada a R$3,59, ou seja, acima do teto da faixa estimada como “justa” pela própria controladora. Essa discrepância numérica, por si só, já acendeu o alerta nos bastidores do mercado e criou uma tensão silenciosa entre a tese financeira da Mubadala e a percepção de valor atual dos investidores minoritários.

Se adotarmos uma leitura fria e econômica do cenário, essa manobra da Mubadala parece fazer parte de uma estratégia muito bem calculada. Desde que assumiu o controle da Zamp, o fundo de Abu Dhabi tem atuado com discrição, mas sempre com objetivos de longo prazo bem definidos. Fechar o capital pode ser o passo seguinte para uma reestruturação silenciosa, que evite os rigores e a exposição dos mercados públicos. Em outras palavras: ao retirar a companhia da bolsa, a Mubadala ganha liberdade para executar cortes, ajustes estratégicos e até mudanças de modelo de negócio sem precisar se explicar ao mercado a cada trimestre.

Do ponto de vista técnico, a OPA é um instrumento legítimo, comum e previsto na regulação do mercado de capitais brasileiro. Mas o momento da proposta — ou da possibilidade dela — não passa despercebido. O papel BKBR3, que em 2024 chegou a mínimas preocupantes na casa de R$2,09, passou por uma leve recuperação nos últimos meses, atingindo uma máxima anual de R$3,94, conforme os dados da Refinitiv. Isso quer dizer que o intervalo estimado de R$3,30 a R$3,50 pode ser interpretado como um “desconto” indireto diante da máxima anual, embora ligeiramente acima da média recente. Para um investidor mais atento, isso soa como um movimento de aproveitamento da janela de valorização para retirar a empresa da bolsa ao menor custo possível.

A pragmática por trás da decisão da Mubadala também pode ser lida sob uma lente estratégica mais ampla: o Brasil tem sido, nos últimos anos, um terreno fértil para os fundos soberanos do Oriente Médio, e a tese de investimento desses grupos geralmente envolve visão de longo prazo, pouca aversão à volatilidade e foco em ativos que podem ser transformados internamente. Não por acaso, a Zamp tem apresentado dificuldades em termos operacionais, com desafios tanto na cadeia de suprimentos quanto na manutenção da margem em tempos de inflação resiliente e consumidores cada vez mais seletivos.

Portanto, uma saída do mercado pode oferecer à Mubadala a tranquilidade necessária para reformular a companhia longe das pressões de investidores de curto prazo, sem que isso represente abandono de ativos. Ao contrário: isso pode ser o prenúncio de um processo de reestruturação para, mais à frente, revender a operação reestruturada ou até mesmo voltar ao mercado com uma nova tese. Esse tipo de “ida e volta” já foi visto em outras grandes empresas brasileiras — e, muitas vezes, funcionou como catalisador para mudanças profundas.

No entanto, para o investidor minoritário da Zamp, a proposta — mesmo em caráter preliminar — levanta preocupações legítimas. Afinal, se a cotação atual está acima da faixa sugerida como “justa”, aceitar a OPA seria, na prática, aceitar um preço inferior ao que o próprio mercado atribui à companhia neste momento. A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) terá, como sempre, o papel de fiscalizar a lisura do processo, especialmente se a Mubadala decidir seguir adiante com a oferta.

É importante destacar também que, mesmo com a queda de relevância das redes de fast food tradicionais em alguns nichos urbanos mais críticos — onde se valoriza alimentação saudável, sustentável e gourmetizada —, marcas como a Burger King e a Popeyes ainda têm capilaridade nacional e apelo popular. Ou seja, a tese de que a Zamp perdeu valor estrutural precisa ser analisada com cautela. O que pode estar em jogo, aqui, é menos a operação e mais a percepção de eficiência de gestão, expansão e ajuste de rota no modelo de negócios. E tudo isso, é claro, interessa muito mais ao controlador do que aos acionistas pulverizados.

Vale lembrar que movimentos semelhantes já foram observados no mercado brasileiro, principalmente em momentos de reavaliação do custo de capital das empresas. Quando os múltiplos de mercado comprimem e a confiança em determinados setores diminui, fundos de private equity — ou gestoras soberanas como a Mubadala — tendem a executar movimentos táticos como esse, de fechamento de capital, para depois reorganizar a casa longe das exigências do mercado de capitais. Trata-se de uma estratégia de longo prazo, que exige capital paciente — algo que o fundo árabe parece ter de sobra.

Outro ponto que merece atenção é o atual contexto do mercado de capitais brasileiro. A bolsa brasileira está passando por um momento de recuperação gradual, mas ainda aquém do esperado, com diversos setores enfrentando múltiplos comprimidos, perspectivas de crescimento modestas e uma taxa de juros ainda elevada. O apetite por risco está moderado, o que torna qualquer proposta de OPA — mesmo as que parecem tímidas no preço — mais palatáveis para investidores que buscam liquidez. É exatamente nesse tipo de brecha que gestoras como a Mubadala se movimentam com eficiência.

Se considerarmos a possibilidade de a OPA ser, de fato, lançada nos moldes sugeridos, haverá uma discussão inevitável sobre a governança do processo, o laudo de avaliação independente e a postura dos minoritários institucionais, especialmente aqueles que mantêm posição relevante em BKBR3. Muitos deles já começam a se articular para exigir, no mínimo, um prêmio sobre o valor atual de mercado, sob pena de rejeitarem a proposta. E isso pode, inclusive, levar a Mubadala a rever o valor ou desistir da operação — algo que, embora possível, não parece fazer parte do script principal.

A questão central, no entanto, é que o controle da Zamp já está concentrado nas mãos da Mubadala, o que lhe dá ampla margem para conduzir o processo conforme sua estratégia. A OPA, nesse contexto, funciona mais como um rito de passagem formal do que como uma disputa real por controle. O foco, nesse estágio, está em como será conduzido o processo de avaliação do preço justo e quais serão os argumentos apresentados para justificar a faixa de R$3,30 a R$3,50, num momento em que o papel já está sendo negociado acima desse intervalo.

A proposta, caso siga em frente, não será uma mera transação financeira. Ela será um marco para os próximos anos da Zamp — seja como companhia fechada, em processo de turnaround sob direção estrangeira, seja como ativo a ser reposicionado no mercado em algum momento futuro. Para os investidores, essa movimentação oferece mais do que um possível prêmio de saída: oferece insights sobre o rumo que empresas médias do setor de varejo alimentar podem seguir num ambiente de capital restrito e competição intensa.

Se você é investidor de longo prazo, o recado que fica é claro: acompanhe cada detalhe, analise os fundamentos da companhia e não aceite qualquer laudo de avaliação sem o devido ceticismo. Porque no mercado, como na vida, o preço nem sempre reflete o valor.

Com informações Reuters

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