
A guerra comercial encabeçada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump pode parecer, à primeira vista, uma estratégia puramente política voltada a fortalecer a economia doméstica dos Estados Unidos. No entanto, os números revelados por uma análise profunda da Reuters mostram uma realidade mais dura, que impacta diretamente grandes corporações globais, afeta o humor dos investidores e acende alertas importantes para quem acompanha o mercado financeiro com um olhar pragmático, como os leitores da Open Investimentos.
A cifra de US$ 34 bilhões representa o total de custos extras e perdas de receita registrados até agora por 56 empresas listadas nos principais índices de ações dos Estados Unidos, Europa e Japão. Esse montante, que cobre desde gigantes da tecnologia como Apple, até fabricantes de automóveis como Ford e Porsche, foi apurado a partir de relatórios corporativos, transcrições de teleconferências e documentos regulatórios. A má notícia? Economistas alertam que esse número pode ser apenas a ponta do iceberg.
Jeffrey Sonnenfeld, professor da Yale School of Management, é direto: “Pode-se dobrar ou até triplicar essa estimativa e ainda estaremos subestimando a magnitude real”. Essa declaração não é mero exagero retórico. A onda de incerteza causada pelas políticas tarifárias imprevisíveis de Trump já paralisou tomadas de decisão estratégicas, afetando de forma generalizada previsões de lucros, investimentos e cadeias produtivas.
A situação é agravada pelo fato de que muitas empresas simplesmente desistiram de fornecer previsões de lucros, um movimento que evidencia o grau de instabilidade do ambiente de negócios. Apenas no primeiro trimestre de 2025, 42 empresas cortaram suas projeções e 16 suspenderam completamente suas estimativas futuras. Walmart, por exemplo, não só deixou de apresentar um guidance trimestral, como também anunciou aumentos de preços ao consumidor — decisão que provocou uma reação crítica de Trump. A sueca Volvo Cars foi além e retirou sua previsão de lucros para os próximos dois anos.
Entre as mais afetadas estão empresas dos setores automotivo, aéreo e de bens de consumo, justamente por serem extremamente dependentes de componentes importados e cadeias logísticas internacionais complexas. As tarifas sobre alumínio, eletrônicos e peças automotivas, por exemplo, tornaram o custo de produção e montagem significativamente mais caro. A alternativa de realocar a produção para os EUA, como defende a administração Trump, implica custos trabalhistas mais altos, o que anula parte das supostas vantagens competitivas esperadas.
Um caso emblemático é o da fabricante de lenços Kimberly Clark, que cortou sua previsão de lucro anual após projetar um impacto de US$ 300 milhões em custos adicionais relacionados às tarifas. A empresa anunciou ainda um investimento de US$ 2 bilhões em expansão nos EUA — decisão que, apesar de estratégica, está fora da soma dos US$ 34 bilhões contabilizados. Ou seja, o impacto total é ainda mais profundo do que se imagina.
Outra gigante afetada foi a britânica Diageo, produtora de bebidas como Johnnie Walker e Don Julio, que prevê uma redução de US$ 150 milhões no lucro operacional anual devido a tarifas de 10% impostas sobre produtos importados da Europa. Para mitigar os efeitos, a companhia pretende cortar US$ 500 milhões em custos e se desfazer de ativos até 2028.
Essas movimentações mostram que, na prática, tarifas não são absorvidas pelos países exportadores, como insiste o discurso oficial da Casa Branca. Quem arca com os custos são as empresas e, por consequência, os consumidores. Como afirmou Zak Stambor, analista da eMarketer, “as tarifas podem encarecer significativamente uma noite agradável fora de casa — ou até uma noite aconchegante dentro de casa”.
Se por um lado o governo Trump alega que as tarifas são uma ferramenta para reequilibrar a balança comercial e forçar países como México e China a aceitarem novos acordos, na prática, o resultado tem sido desorganização corporativa, retração de investimentos e aumento da inflação. A instabilidade gerada por decisões abruptas e pouco coordenadas é apontada como o maior entrave por Rich Bernstein, CEO da Richard Bernstein Advisors: “Corporations simply don’t have visibility into the future.”
A título de comparação, o número de companhias que mencionaram tarifas em teleconferências de resultados saltou de 150 para 360 entre os membros do S&P 500, o que representa 72% das empresas. Na Europa, o número passou de 161 para 219. No Japão, o salto foi ainda mais dramático: de apenas 12 para 58 empresas do índice Nikkei 225 mencionando diretamente os impactos das tarifas.
A consequência direta desse ambiente hostil é refletida nos números da bolsa americana. O crescimento médio de lucro trimestral projetado para o S&P 500 em 2025 é de apenas 5,1%, contra 11,7% em 2024, segundo dados da LSEG. A tendência é de desaceleração não apenas dos lucros, mas também dos níveis de investimento corporativo, produtividade e geração de empregos.
Para empresas globais que atuam com margens apertadas e dependem de previsibilidade nos insumos, essa nova ordem tarifária representa um desafio operacional e estratégico de grandes proporções. A tendência de “near-shoring”, ou seja, trazer parte da produção para regiões mais próximas ao mercado final, cresce como alternativa. Mas esse movimento, além de demandar altos investimentos logísticos e fabris, aumenta o custo total da operação — indo exatamente na contramão do que se busca quando se fala em competitividade e eficiência.
Com esse cenário, surge um ponto de alerta importante para os investidores: como precificar empresas que operam num cenário de incerteza sistêmica? A falta de previsibilidade nas margens, a volatilidade cambial e os riscos geopolíticos tornaram a análise fundamentalista mais complexa, exigindo um olhar mais atento à exposição geográfica de cada companhia e ao nível de dependência de cadeias globais.
Grandes nomes como Apple, Eli Lilly, Ford, United Airlines, Sony e Porsche estão expostos diretamente a essa nova lógica comercial. Algumas buscam acelerar investimentos nos EUA, como forma de reduzir atritos futuros. Outras optam por rever suas operações internacionais, adotando estratégias defensivas, como corte de custos, enxugamento de portfólios e foco em mercados menos voláteis.
Do ponto de vista do investidor pragmático, essas mudanças representam riscos e oportunidades. Por um lado, o setor industrial e de consumo tende a apresentar lucros pressionados e volatilidade de preços no curto prazo. Por outro, empresas com maior controle sobre sua cadeia logística e com presença dominante no mercado doméstico norte-americano podem se beneficiar de incentivos, proteção tarifária e uma eventual migração de concorrência.
No entanto, o fator mais crítico continua sendo a insegurança jurídica e regulatória, agravada por decisões judiciais que, como na mais recente intervenção de uma corte de comércio dos EUA, impedem a aplicação imediata das tarifas. Essa instabilidade compromete a confiança empresarial e, por tabela, limita o apetite ao risco do investidor estrangeiro.
Em resumo, as tarifas de Trump não são apenas uma questão comercial. Elas moldam uma nova realidade econômica global, com impactos diretos nas estratégias corporativas e nos portfólios dos investidores. Para quem acompanha os mercados com seriedade, o cenário exige análises mais aprofundadas, uma leitura geopolítica precisa e, sobretudo, atenção redobrada à dinâmica regulatória que vem se estabelecendo nos principais polos econômicos mundiais.
O futuro da guerra tarifária pode ser incerto, mas o impacto atual já é profundamente real — e, para os investidores atentos, o momento é de prudência estratégica e decisões baseadas em fundamentos sólidos, longe de narrativas ideológicas ou promessas de curto prazo. Afinal, como o mercado já aprendeu ao longo de décadas, a política pode até ser imprevisível, mas o capital é implacavelmente racional.
Com informações Reuters