
Agather Atuhaire não é uma personagem qualquer no cenário africano. Advogada, jornalista, ativista premiada nos Estados Unidos com o “International Women of Courage Award”, sua trajetória é marcada por uma coragem que poucos ousam imitar. No entanto, a sua visita à Tanzânia em maio de 2025 a lançou em um pesadelo que desvela a face mais obscura dos regimes autoritários da África Oriental — e levanta um sinal de alerta para investidores internacionais atentos à estabilidade institucional do continente.
Sua prisão em Dar es Salaam, capital econômica da Tanzânia, sob a alegação de estar “desestabilizando o país”, é apenas o início de uma série de episódios que vão além da brutalidade física. Atuhaire, que viajou para assistir ao julgamento de Tundu Lissu, líder opositor da Tanzânia acusado de traição, foi sequestrada, espancada, despida, agredida sexualmente e posteriormente deixada na fronteira com Uganda. Boniface Mwangi, conhecido ativista queniano, também foi detido ao lado dela. Ambos foram acusados de serem enviados por “brancos”, uma alegação com tintas xenófobas e teorias conspiratórias que costumam emergir em regimes paranoicos com o próprio povo.
A descrição feita por Atuhaire à imprensa internacional é aterradora. Algemada pelos tornozelos, violentada com objetos introduzidos em seu corpo, coberta de excrementos e com a sessão de tortura registrada em vídeo, a ativista narrou que os policiais tanzanianos tocavam música gospel enquanto seus gritos ecoavam no carro. Uma espécie de ritual sádico que buscava silenciar não apenas sua voz, mas intimidar toda uma geração de defensores dos direitos humanos no continente.
Esse tipo de relato, normalmente silenciado ou distorcido por regimes autoritários, ganhou eco imediato. O Departamento de Estado dos Estados Unidos reagiu com um comunicado expressando “profunda preocupação” e cobrando investigações imediatas e completas. A Anistia Internacional também se manifestou com indignação, exigindo uma apuração urgente sobre a “tortura e deportação forçada” de Atuhaire e Mwangi. Do governo tanzaniano, até o momento, apenas o silêncio — ou, pior, o desprezo cínico travestido de soberania nacional.
No entanto, o episódio é mais do que uma tragédia pessoal. Ele revela, com precisão cirúrgica, a fragilidade institucional da Tanzânia, um país que, embora tenha uma das maiores populações da África Oriental, caminha de forma acelerada rumo ao colapso democrático. Desde a chegada ao poder de Samia Suluhu Hassan, muito se esperava de uma mulher no mais alto posto do país, mas o que se viu foi um recrudescimento da repressão herdada do antecessor John Magufuli.
A presidente, aliás, não esconde sua aversão aos olhares estrangeiros. Em um discurso recente, acusou “ativistas de outros países” de interferência nos assuntos internos da Tanzânia. Pediu publicamente que os serviços de segurança impedissem “indivíduos mal-educados de outros países” de se intrometerem. Esse tipo de retórica nacionalista costuma encontrar eco em regimes frágeis, que veem na repressão o único mecanismo de autopreservação.
Mas qual o impacto dessa tragédia para os investidores? Muita coisa. O caso de Atuhaire expõe a instabilidade jurídica e a imprevisibilidade do Estado tanzaniano, ambos elementos que minam qualquer possibilidade de segurança para investidores estrangeiros, especialmente aqueles que atuam em setores regulados ou de infraestrutura. A repressão estatal é sintoma de um sistema político que se sente ameaçado até por meras observações democráticas. Investidores institucionais, que dependem de previsibilidade legal e respeito aos direitos humanos, deveriam considerar seriamente o risco-país elevado da Tanzânia à luz desses acontecimentos.
Outro ponto preocupante é o contexto eleitoral. As eleições gerais de outubro já estão sendo organizadas sob denúncias de exclusão de partidos opositores — como o do próprio Tundu Lissu, cuja acusação de traição pode levá-lo à pena de morte. Isso não só levanta dúvidas sobre a legitimidade do pleito, mas evidencia um sistema que utiliza o Judiciário como instrumento de perseguição política. Em países onde a alternância de poder é tratada como crime, o ambiente de negócios se deteriora rapidamente.
Por outro lado, o silêncio das lideranças regionais africanas frente ao caso de Atuhaire é revelador. Nenhum presidente da África Oriental condenou abertamente a ação. A União Africana tampouco emitiu qualquer nota oficial. O continente, tão acostumado a ser observado com desconfiança pelo Ocidente, parece não querer olhar no espelho da própria brutalidade. Isso reforça o argumento de que as ONGs internacionais e a imprensa livre continuam sendo os únicos canais de denúncia eficazes diante de estados autoritários.
Agather Atuhaire, mesmo em meio à dor, se mantém firme. Declarou que registrará uma queixa formal contra a Tanzânia, desafiando os que tentaram usá-la como exemplo de intimidação. Disse que não carrega vergonha alguma, que não se dobrará à máquina de repressão, e que sua dor não será moeda para o gozo dos que a violentaram. É a postura de quem entende que justiça não é concessão, mas um direito inalienável.
Enquanto isso, a Tanzânia segue sua rota rumo ao abismo democrático, isolando-se cada vez mais da comunidade internacional. O caso Atuhaire não é um ponto fora da curva, mas um alerta vermelho para investidores, ativistas, diplomatas e analistas políticos. A questão agora não é mais se haverá repressão, mas até onde o regime de Hassan está disposto a ir para manter o poder — e quanto disso o mundo está disposto a tolerar em nome de interesses comerciais.
Para os investidores atentos que acompanham o cenário africano através da lente pragmática do portal Open Investimentos, o caso de Atuhaire é emblemático. Ele sugere que os riscos não se limitam a variáveis econômicas, mas abrangem dimensões éticas, institucionais e de segurança jurídica que não podem ser ignoradas. É hora de repensar onde se coloca o capital e a confiança — porque em países onde se prende ativistas e se silencia a verdade com excrementos, não há segurança nem para os próprios cidadãos, quanto mais para investidores internacionais.
A Tanzânia pode tentar manter o controle interno com a força bruta, mas pagará um preço alto no cenário internacional. O episódio vivido por Atuhaire não apenas chocou o mundo, como deixou claro que a repressão tem rostos, nomes e vítimas — e que a estabilidade institucional é um ativo muito mais valioso do que qualquer reserva mineral ou megaprojeto de infraestrutura.
Agather Atuhaire, em sua dor, tornou-se símbolo. E regimes que produzem mártires tendem, mais cedo ou mais tarde, a desmoronar. A Tanzânia que se cuide: o mundo está vendo — e os investidores, recalculando.
Com informações Reuters