
Era uma noite gelada em Pittsburgh quando Takahiro Mori, vice-presidente executivo da Nippon Steel, se viu encolhido em uma garagem nos subúrbios da cidade. Do lado de fora, a neve encobria as calçadas; por dentro, líderes comunitários aguardavam um aceno de esperança. Eles queriam saber se aquele executivo japonês — de óculos finos e voz suave — ainda estava disposto a lutar pela compra da histórica U.S. Steel, em meio a uma tempestade política que ameaçava enterrar o negócio de US$ 14,9 bilhões.
Se você acha que o mundo corporativo gira em torno de reuniões em salas envidraçadas e sorrisos em jantares de gala, precisa conhecer a saga silenciosa, porém implacável, liderada por Mori, um veterano de 40 anos na maior siderúrgica do Japão. O que começou como uma negociação estratégica em dezembro de 2023 se transformou numa guerra diplomática, sindical, eleitoral e econômica em pleno território americano — e com uma pitada de geopolítica para apimentar o caldo.
Por trás da face educada e do terno bem alinhado, Mori é o símbolo de um Japão que não aceita perder espaço industrial no mapa global. Com a demanda interna em declínio, a compra da U.S. Steel é o coração da estratégia global da Nippon Steel, mirando especialmente os mercados norte-americanos como palco de expansão. Trata-se de um movimento que, se concretizado, posicionará a companhia como a terceira maior produtora de aço do mundo, ficando atrás apenas da gigante chinesa Baowu Steel Group e da europeia ArcelorMittal.

Mas o que parecia uma jogada de xadrez bem planejada logo virou um campo minado político. Primeiro veio a rejeição imediata do sindicato United Steelworkers, que viu a venda como uma traição patriótica. Depois, o golpe mais duro: Joe Biden, atual presidente dos EUA, se posicionou contra a transação. E como cereja da confusão, o então candidato e ex-presidente Donald Trump também embarcou no coro nacionalista.
Era como tentar comprar uma casa e ver seus dois principais credores acusarem você de ser um ladrão estrangeiro.
O recado foi claro: mesmo com bilhões na mesa, nenhuma aquisição internacional seria bem-vinda em ano eleitoral, especialmente em estados-pêndulo como a Pensilvânia, berço da indústria siderúrgica americana. Era o prenúncio do pesadelo: revisões de segurança nacional conduzidas pelo misterioso Comitê de Investimentos Estrangeiros nos Estados Unidos (CFIUS), intensas negociações sindicais, desgaste na mídia e, claro, insônia em voos transcontinentais.
E é aqui que entra a resiliência de Takahiro Mori, o homem que trocou os tapetes vermelhos por encontros improvisados em garagens e jantares informais em restaurantes de bairro. Desde o início de 2025, ele viajou cerca de 10 vezes aos Estados Unidos, uma média de quase duas viagens por mês, sempre carregando pastas recheadas de documentos e planos de investimento.
“No avião, quase não consigo dormir“, confidenciou à Reuters, explicando que entre relatórios, reuniões e fusos horários, não havia tempo para descanso. Não se trata apenas de uma aquisição. Trata-se de uma missão quase pessoal — talvez até histórica — de provar que um conglomerado japonês pode, sim, investir nos EUA sem ser tratado como invasor.
E se o apoio de Biden evaporou como vapor de alto-forno, o de Trump parece ter sido conquistado com uma arma que ele compreende muito bem: dinheiro. Segundo reportagem exclusiva da Reuters, a Nippon Steel planeja investir até US$ 14 bilhões na U.S. Steel, dos quais US$ 4 bilhões seriam destinados à construção de uma nova usina siderúrgica. Uma cartada de impacto, pensada para agradar tanto políticos quanto operários preocupados com a manutenção de empregos e com o futuro da produção nacional.
Mas nem todo o dinheiro do mundo apaga o ceticismo dos sindicatos. Para David McCall, presidente do United Steelworkers, a empresa japonesa não ofereceu garantias suficientes de compromisso de longo prazo com os trabalhadores. Ele ainda acusa a Nippon Steel de ser uma “infratora contumaz das regras de comércio”. Ainda assim, admite que Mori é “simpático” e fácil de lidar, mesmo sendo seu contraponto nas conversas.
A política pode estar em guerra, mas o campo de batalha real está no relacionamento humano. E nesse jogo, Mori tem dado aula de diplomacia corporativa.
Essa conexão emocional não se limitou às reuniões em Washington ou aos papéis com cifras milionárias. Chris Kelly, prefeito de West Mifflin, cidade onde fica uma das plantas da U.S. Steel, narra episódios reveladores: encontros em restaurantes locais, partidas de futebol americano acompanhadas lado a lado, com Mori balançando uma toalha e torcendo como um autêntico fã dos Steelers. Um executivo japonês gritando no meio da torcida de Pittsburgh? Uma imagem que vale mais que mil palavras corporativas.
Apesar da reviravolta do apoio de Trump, a novela ainda não terminou. Há incertezas sobre os termos finais da transação, o impacto nas cadeias produtivas e o apetite da Nippon Steel em sustentar o investimento num cenário volátil e hostil. Porém, se há uma lição clara nesse enredo, é que estratégia e resiliência podem dobrar até as resistências mais ideológicas.
No fim, a imagem que fica é simbólica: um executivo de quase 70 anos, graduado pela Wharton School da Universidade da Pensilvânia, voltando ao lugar onde estudou décadas antes, não para tirar fotos ou rever amigos, mas para lutar pelo futuro de uma indústria que representa muito mais do que aço. Representa orgulho nacional, capacidade tecnológica e, acima de tudo, visão de longo prazo.
Em tempos em que decisões empresariais são medidas em gráficos e lucros trimestrais, Mori mostra que há espaço — e necessidade — para um novo tipo de liderança: aquela que desce do pedestal, encara o trabalhador olho no olho e, mesmo sem dormir, não desiste do que acredita ser possível.
Com informações Reuters