
O mercado financeiro brasileiro viveu, nos últimos dias, mais um capítulo de improviso orquestrado pela política fiscal do governo Lula, que, após anunciar um aumento no IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), precisou recuar às pressas diante da resposta imediata e negativa dos agentes econômicos. A reação foi previsível para quem acompanha os fundamentos do mercado: a curva de juros reagiu com uma volatilidade que revelou, acima de tudo, a fragilidade da comunicação e a falta de coordenação entre Ministério da Fazenda e Banco Central.
A sexta-feira amanheceu com o mercado tentando digerir a enxurrada de decisões desconexas divulgadas na noite anterior. O anúncio do aumento de alíquotas do IOF — inclusive sobre operações cambiais e investimentos no exterior — causou um verdadeiro curto-circuito no sistema. Fundos internacionais, empresas exportadoras e investidores institucionais reagiram como era de se esperar: esticando a curva de juros e pressionando a cotação do dólar futuro.
A instabilidade não durou muito. Antes mesmo da abertura oficial dos mercados, o próprio governo decidiu pisar no freio e publicou um novo decreto revertendo parte das medidas — especialmente as que envolviam o aumento para 3,5% do IOF sobre aplicações de fundos no exterior e sobre remessas destinadas a investimentos fora do país. A reação imediata do mercado foi retirar os prêmios adicionados na curva, reduzindo as taxas dos DIs em diversos vencimentos. Uma correção técnica? Sem dúvida. Mas também um alerta contundente.
Enquanto o DI para janeiro de 2026 manteve-se estável em 14,745%, outros vértices da curva apresentaram pequenos recuos. O DI para janeiro de 2027 caiu 2 pontos-base, de 14,02% para 14%. Já nos vencimentos longos, houve leve elevação: o contrato para janeiro de 2031 subiu de 13,792% para 13,84%, e o de janeiro de 2033 foi de 13,87% para 13,91%. Esses ajustes não são meramente técnicos. Eles indicam como o mercado precifica, em tempo real, a credibilidade da política fiscal — ou a falta dela.
As medidas originais de aumento do IOF impactavam diretamente áreas sensíveis: crédito corporativo, seguros do tipo VGBL e câmbio. Essa última, em particular, foi vista como um retrocesso. Como enfatizou o economista-chefe do Banco Master, Paulo Gala, o IOF deveria servir para ajustar o comportamento econômico — não como ferramenta arrecadatória de curto prazo. Na ânsia por gerar receita para equilibrar as contas públicas, o governo acabou provocando um ruído generalizado entre o Tesouro, o mercado e o próprio Banco Central.
Aliás, a reação do BC foi, no mínimo, simbólica. Nos bastidores, fontes relataram que houve incômodo com a decisão do governo. Publicamente, o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, preferiu adotar um tom diplomático. Em um evento da Fundação Getulio Vargas, elogiou a “agilidade” do Ministério da Fazenda em reverter parte das medidas, e fez questão de chamar Fernando Haddad de “bom democrata”. Uma tentativa clara de estancar o desgaste e preservar a imagem de harmonia institucional — ainda que o pano de fundo fosse tudo, menos isso.
A fala de Galípolo serviu para reforçar uma mensagem de prudência monetária. Segundo ele, o Banco Central não deveria adotar “movimentos bruscos” em sua política de juros, especialmente em um cenário de alta incerteza. Essa sinalização, combinada com o recuo do governo sobre o IOF, fez com que a curva de juros se acomodasse ao longo da sexta-feira. A precificação da Selic para a próxima reunião do Copom, marcada para junho, refletia 91% de chance de manutenção da taxa em 14,75%, com apenas 9% precificando uma alta de 25 pontos-base. Um dia antes, os contratos de opções ainda atribuíam 23% de chance de alta — ou seja, o ambiente oscilou rapidamente.
Essa sequência de eventos evidencia uma dinâmica que tem se tornado recorrente na gestão econômica atual: o governo testa os limites, o mercado reage mal, e as autoridades retrocedem. A volatilidade gerada por esse tipo de abordagem tem custo. Ainda que a reversão parcial tenha acalmado os ânimos, o episódio expôs a ausência de uma estratégia fiscal coesa e, sobretudo, previsível.
A própria justificativa para o aumento do IOF — elevar a arrecadação em R$ 6 bilhões até 2026 — foi desmantelada com o recuo. A frustração dessa expectativa de receita já está precificada. E para piorar, o timing do anúncio coincidiu com uma notícia que poderia ter sido bem recebida: o contingenciamento de R$ 31,3 bilhões nos ministérios, destinado a cumprir as regras fiscais para 2025. Esse dado, que poderia reforçar a responsabilidade fiscal do governo, acabou ofuscado pela trapalhada do IOF.
Na prática, o episódio deixa uma mensagem clara para os investidores: o governo está operando no limite da sua credibilidade. Cada medida equivocada tem potencial de corroer ainda mais a confiança de quem movimenta bilhões em ativos diariamente. A reversão das alíquotas, embora positiva do ponto de vista técnico, reforça a percepção de que falta uma bússola na condução da política econômica.
O impacto do noticiário interno foi tão dominante que eclipsou, nesta sexta-feira, o efeito das tensões internacionais. Mesmo com o aumento das incertezas globais — como as novas ameaças tarifárias do ex-presidente Donald Trump nos EUA —, o foco do mercado permaneceu centrado no Brasil. O Treasury de 10 anos, referência para decisões de investimento global, recuava 4 pontos-base, a 4,509%, mas essa queda foi quase irrelevante no radar local.
Enquanto isso, investidores continuam atentos à condução dos juros pelo Banco Central, ao desempenho fiscal do governo e às incertezas criadas por decisões erráticas como a do IOF. O mercado brasileiro segue operando sob a sombra de um governo que, ao tentar improvisar saídas fiscais por meio de aumentos pontuais de impostos, gera instabilidade e aumenta o prêmio de risco.
Para os leitores do Open Investimentos, o alerta é pragmático: a gestão de portfólios precisa estar blindada contra esse tipo de ruído político-econômico. A diversificação internacional continua sendo uma âncora de estabilidade em tempos de incerteza doméstica. Mais do que nunca, acompanhar com atenção os movimentos do Tesouro Nacional, do Banco Central e as declarações de ministros é parte essencial do jogo. O investidor que reage, e não se antecipa, será sempre refém das surpresas que Brasília parece produzir em série.
Veja como estavam as taxas dos principais contratos de DI no fim da tarde desta sexta-feira:
Mês | Ticker | Taxa (% a.a.) | Ajuste anterior (% a.a.) | Variação (p.p.) |
JAN/26 | (DIJF26) | 14,745 | 14,745 | 0 |
JAN/27 | (DIJF27) | 14 | 14,02 | -0,02 |
JAN/28 | (DIJF28) | 13,57 | 13,566 | 0,004 |
JAN/29 | (DIJF29) | 13,62 | 13,585 | 0,035 |
JAN/30 | (DIJF30) | 13,745 | 13,702 | 0,043 |
JAN/31 | (DIJF31) | 13,84 | 13,792 | 0,048 |
JAN/33 | (DIJF33) | 13,91 | 13,87 | 0,04 |
Porque no Brasil, o risco político não está apenas nos palanques — ele se manifesta nas páginas do Diário Oficial.
Com informações Reuters