
O Brasil decidiu, mais uma vez, seguir por uma estrada que a maioria dos países desenvolvidos abandonou há décadas: a de tributar operações financeiras como forma de tapar buracos fiscais. Em vez de avançar com um sistema mais justo, transparente e eficiente, o governo federal optou por elevar as alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), um imposto de natureza originalmente regulatória, transformado agora em ferramenta arrecadatória camuflada, lembrando os tempos da extinta CPMF — a famosa “contribuição do cheque”.
A mudança nas alíquotas, que passou despercebida por muitos contribuintes, carrega consigo o DNA de um imposto que já não deveria mais existir neste formato. Para os leitores do Open Investimentos, é essencial compreender o que está por trás dessa decisão e como ela afeta, direta e indiretamente, os seus ativos, suas estratégias de crédito, os custos das operações cambiais e a atratividade do país para investidores externos. Afinal, quando o governo aumenta silenciosamente um tributo impopular e regressivo como o IOF, o sinal emitido ao mercado é de improviso, e não de planejamento.
O IOF surgiu com um nome simples, mas uma missão complexa: regular o mercado financeiro. Isso significa que ele deveria ser ajustado como um instrumento de política econômica, para frear ou estimular certas operações conforme os ciclos do mercado. No entanto, o que vemos é um desvio grave de finalidade. Governos sucessivos — incluindo o atual — têm ignorado seu caráter regulatório e o transformado em um instrumento arrecadatório de curto prazo, especialmente útil quando há pressões sobre o Orçamento.
É difícil não fazer paralelos com a CPMF, que, mesmo sepultada em 2007, continua a assombrar as planilhas do Tesouro com suas alíquotas icônicas de 0,38%. Não por acaso, o recente reajuste do IOF trouxe consigo a mesma simbologia: alíquotas com final em “0,50%”, como se o fantasma da contribuição rejeitada pelo Congresso ainda ditasse as regras do jogo tributário. O ex-presidente Lula, inclusive, lamentou publicamente o fim da CPMF durante a campanha de 2022. Agora, no poder, parece encontrar no IOF uma alternativa palatável — embora tecnicamente questionável — para financiar suas promessas.
O contraste com os países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) é gritante. Nessas economias, os impostos sobre operações financeiras representam em média 0,20% do PIB. No Brasil, em 2024, o IOF respondeu por 0,57% do PIB — praticamente o triplo. A pergunta inevitável é: por que seguimos na contramão?
A resposta está na estrutura disfuncional do tributo. O IOF é cumulativo, regressivo e ineficiente. Ele incide em cascata, penalizando todas as fases da cadeia produtiva. Isso significa que o crédito — que deveria ser incentivado num momento de crescimento econômico — se torna mais caro. As exportações perdem competitividade. Os investimentos são desestimulados. E o capital internacional, sempre sensível, vê com maus olhos esse tipo de interferência estatal sobre as operações financeiras.
Pior: o IOF limita o livre fluxo de capitais, um dos princípios mais caros ao mercado financeiro internacional. Ele é uma trava, não um facilitador. Para um país que ainda busca o selo da OCDE e sonha em atrair investidores estrangeiros, manter e elevar esse tipo de imposto é um contrassenso que beira o amadorismo.
Vale lembrar que em 2022, um decreto presidencial havia estabelecido um cronograma para zerar as alíquotas de IOF sobre operações de câmbio até 2029. A medida, à época, foi celebrada como um passo importante para a adequação do Brasil às boas práticas internacionais e como condição para o ingresso do país na OCDE. No entanto, a atual administração jamais demonstrou entusiasmo real com essa adesão, e agora, ao ampliar as alíquotas, parece caminhar deliberadamente na direção oposta.
Há ainda um agravante jurídico e político. O IOF é um dos poucos tributos que podem ser elevados por decreto, sem necessidade de aprovação do Congresso Nacional. Além disso, não está sujeito às regras de noventena e anualidade, o que significa que pode entrar em vigor praticamente da noite para o dia. Esse atalho legal facilita o uso político do imposto, transformando-o em uma espécie de carta coringa do Executivo para ajustar receitas rapidamente sem o desgaste de negociar com o Legislativo.
Mas isso abre uma brecha perigosa: será que o uso de um tributo regulatório com claro fim arrecadatório não poderia ser questionado no Judiciário? Em tese, sim. Mas, como sabemos, no Brasil, muitas vezes a lógica técnica cede à conveniência política. O precedente da Zona Franca de Manaus, quando o STF (Supremo Tribunal Federal) barrou mudanças no IPI no governo anterior, mostra que decisões tributárias podem sim ser contestadas com base em fundamentos constitucionais e federativos. No entanto, o IOF ainda navega em águas mais nebulosas.
A reforma tributária, que tantos esforços exigiu e ainda está em curso, busca precisamente o oposto: simplificação, transparência e progressividade. Com ela, o país pretende eliminar distorções históricas, como a guerra fiscal entre estados e a complexidade kafkiana do sistema de impostos sobre consumo. O aumento do IOF, no entanto, joga contra essa lógica. É uma gambiarra fiscal, como corretamente definiu a própria reportagem da Reuters — um improviso para tapar furos no Orçamento diante de erros de projeção e pressões de gastos.
Afinal, quando um governo erra nas estimativas orçamentárias, é esperado que corte gastos ou proponha soluções estruturais. Optar por elevar um imposto impopular, disfarçando-o de medida regulatória, não apenas mina a credibilidade da política fiscal, mas afasta investidores e desestimula o crescimento. Para quem acompanha o mercado, o recado é claro: se hoje foi o IOF, amanhã pode ser qualquer outro tributo “regulatório”.
Para os investidores, a elevação do IOF significa mais do que um aumento pontual na carga tributária. É um sinal de alerta sobre a previsibilidade das regras do jogo no Brasil. Operações de crédito ficam mais caras, os contratos de câmbio mais onerosos, e a confiança no ambiente de negócios sofre mais um abalo. Em um mundo cada vez mais integrado, onde capital se move com agilidade, países que apostam em tributos disfuncionais perdem competitividade.
E não se trata de defender isenção total de impostos. O mercado não se opõe a contribuir com a sociedade. Mas o que se espera é coerência, transparência e planejamento de longo prazo. Reverter medidas que visavam a modernização do sistema em nome de interesses de curto prazo é retroceder. É insistir em práticas que já demonstraram seu esgotamento.
O IOF, portanto, deixou de ser um instrumento técnico para se tornar uma espécie de gambiarra fiscal institucionalizada. E o mais preocupante: sem o devido debate público, sem controle legislativo e com alto custo econômico e reputacional. Enquanto o mundo caminha para sistemas tributários mais simples e justos, o Brasil ainda prefere o improviso.
O leitor do Open Investimentos, mais do que qualquer outro, sabe que confiança é o ativo mais valioso de qualquer economia. Quando ela é abalada por decisões erráticas, o preço é pago em menor investimento, menor crescimento e, inevitavelmente, menor retorno sobre o capital.
Neste cenário, é imperativo que os agentes de mercado, analistas e cidadãos exerçam pressão por mais responsabilidade fiscal e tributária. A reforma precisa ser completa, e não um remendo mal costurado. O IOF, como está hoje, não é apenas um tributo ruim. É um sintoma de um modelo que ainda insiste em viver de improviso. E enquanto o país seguir nessa direção, o risco-Brasil continuará embutido em cada taxa, cada câmbio e cada oportunidade de negócio.
Com informações Reuters