Dívida do Japão ultrapassa 200% do PIB e desafia equilíbrio fiscal do país

O Japão, terceira maior economia do mundo, se encontra em uma encruzilhada perigosa. Após décadas de gastos públicos

O Japão, terceira maior economia do mundo, se encontra em uma encruzilhada perigosa. Após décadas de gastos públicos impulsionados por emissão de dívida e juros negativos, o país agora lida com o peso de um passivo que já representa mais de 200% do PIB – a maior proporção entre as principais nações desenvolvidas. A cifra é assombrosa: quase US$ 9 trilhões em dívida pública.

Historicamente, essa estratégia de endividamento funcionou como um analgésico macroeconômico: em tempos de crise, o governo ampliava os gastos, amparava agricultores, mantinha vivas pequenas cidades rurais e promovia estabilidade social mesmo em uma nação em acelerado envelhecimento populacional. Durante a pandemia de covid-19, esse modelo voltou à tona com força total, mas hoje o custo dessa dependência fiscal se tornou insustentável.

O cenário começa a mudar. Com o Banco do Japão gradualmente encerrando a política de juros negativos, o que durante anos permitiu ao governo emitir dívida praticamente de graça, os limites fiscais estão se estreitando. Investidores, atentos ao menor sinal de instabilidade, já começaram a reagir: os rendimentos dos títulos do governo japonês subiram para níveis recordes, refletindo a queda da confiança na solvência a longo prazo.

A pressão, no entanto, não vem apenas do mercado. Às vésperas das eleições para a Câmara Alta, em julho, o Partido Liberal Democrático (PLD) – que governa o Japão quase ininterruptamente há sete décadas – está sob ataque por todos os lados. Pequenos empresários pressionam por ajuda diante das tarifas norte-americanas. Famílias, afetadas por uma inflação que há tempos não se via, clamam por cortes de impostos. E dentro do próprio partido, surgem vozes cada vez mais altas defendendo expansionismo fiscal – mesmo à custa de maiores déficits.

Shigeru Ishiba, atual primeiro-ministro e líder do PLD, tenta equilibrar-se sobre essa corda bamba. Em reuniões recentes, ele alertou para o “terror” que representam os juros mais altos, chegando a comparar a situação fiscal do Japão à da Grécia pré-crise de 2009. A referência é dramática, mas serve como sinal de alerta. Embora a maior parte da dívida japonesa esteja nas mãos de instituições financeiras domésticas e do próprio banco central – o que reduz o risco de uma fuga abrupta de capitais –, a tolerância dos credores não é infinita.

Koji Yano, ex-alto funcionário do Ministério das Finanças, não mede palavras: “As luzes amarelas estão piscando”, diz ele, “e qualquer uma delas pode virar vermelha a qualquer momento.” Yano, que já comparou o Japão a um navio prestes a colidir com um iceberg, defende uma reversão urgente da trajetória fiscal atual. Caso contrário, alerta, os credores em algum momento dirão “basta” – e os juros explodirão.

Há, porém, quem veja esse apocalipse como exagero. Economistas como Leif Eskesen, do grupo de investimentos CLSA, ponderam que um colapso à la Grécia é altamente improvável no curto prazo. O controle doméstico da dívida e a ausência de exposição externa relevante oferecem uma almofada de segurança. Mas a complacência pode ser fatal: as décadas de crescimento baixo, combinadas com uma população envelhecida e pressões sociais crescentes, fazem com que a situação fiscal do Japão esteja se tornando cada vez mais frágil.

Mais do que números, o dilema japonês é estrutural. O país tenta manter um padrão homogêneo de prestação de serviços públicos – mesmo em regiões rurais em declínio –, e isso custa caro. São subsídios generalizados, manutenção de escolas e infraestrutura em cidades que perdem população ano após ano. Tudo isso sustentado por um Estado que já não cresce o suficiente para bancar tamanha estrutura.

Essa lógica ajudou a manter a estabilidade política. Segundo Tobias Harris, fundador da Japan Foresight, esse padrão de gastos funcionou como antídoto contra o populismo que assola outras democracias avançadas. Enquanto partidos extremistas ganhavam força na Europa e EUA, o Japão conseguia evitar rupturas. Mas isso está mudando.

O aumento da inflação trouxe consigo descontentamento urbano, especialmente entre trabalhadores não regulares, que ganham menos e têm menos estabilidade. Pela primeira vez em décadas, manifestações contra o Ministério das Finanças tomaram as ruas de Tóquio. Cartazes exigindo o fim dos impostos sobre o consumo e o desmantelamento da burocracia fiscal indicam que a paciência da população está se esgotando. O populismo japonês, mesmo contido, começa a germinar.

A resposta do governo tem sido inconsistente. Enquanto Ishiba rejeita a ideia de cortar o imposto sobre o consumo – medida popular, mas arriscada – Sanae Takaichi, sua principal rival interna, pressiona por um alívio fiscal que poderia custar a eleição ao atual primeiro-ministro. Dentro do PLD, a divisão é evidente: entre os defensores da disciplina orçamentária e os que acreditam que o Banco do Japão pode continuar financiando déficits sem consequências reais.

A verdade, porém, é que o modelo japonês chegou a um ponto de saturação. A combinação de endividamento recorde, inflação em ascensão, juros mais altos e pressões sociais difusas cria um coquetel que exige uma resposta urgente e pragmática.

Para investidores, sobretudo os brasileiros que acompanham a movimentação global por meio do Open Investimentos, o caso japonês serve como sinal de alerta global. Afinal, o Japão não é um país periférico. É uma potência industrial, líder em tecnologia, com instituições sólidas. Se nem mesmo ele está imune à deterioração fiscal, o que esperar de economias menos robustas?

A lição aqui é dupla. Primeiro, que políticas de endividamento perpétuo só funcionam enquanto houver confiança irrestrita do mercado – algo que pode mudar repentinamente. Segundo, que uma nação, por mais rica que seja, não consegue fugir indefinidamente da matemática fiscal.

O mundo está entrando em uma nova era. Os juros globais subiram, os bancos centrais estão mais cautelosos e a paciência dos investidores está mais curta. O modelo japonês de financiar o Estado com endividamento barato e expansão monetária chegou ao fim.

Para o Japão, o desafio é claro: reformular o pacto fiscal, conter os gastos e iniciar um processo real de consolidação. Mas isso exigirá coragem política, sacrifícios e, sobretudo, uma comunicação clara com a população.

O que está em jogo não é apenas a estabilidade de uma economia, mas a credibilidade de uma nação inteira. E em tempos de instabilidade global, essa moeda vale mais do que qualquer título soberano.

Com informações Estadão

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