A Coinbase, uma das principais plataformas globais de negociação de criptoativos, está mais uma vez sob os holofotes – e não pelos motivos que os acionistas gostariam. A empresa, que já foi símbolo do boom das criptomoedas e da entrada da Web3 no mainstream financeiro, agora enfrenta uma nova rodada de ações coletivas movidas por investidores que se dizem lesados por omissões e violações contratuais com implicações severas para o preço das ações.
O epicentro da controvérsia gira em torno de duas frentes sensíveis: uma violação de dados envolvendo informações de usuários, com potencial de prejuízo bilionário, e a suposta quebra de um acordo com o regulador financeiro do Reino Unido, a Financial Conduct Authority (FCA), em um episódio que remonta a 2020, mas que só agora começa a afetar juridicamente a credibilidade da companhia no mercado acionário norte-americano.
O investidor Brady Nessler, movido pelo sentimento de dano material ao seu portfólio, ajuizou uma ação em 22 de maio de 2025, alegando que a empresa, ao não comunicar adequadamente a extensão da violação de dados e ao omitir detalhes sobre seu histórico com a FCA, criou uma falsa percepção de estabilidade e governança, inflacionando artificialmente o valor de mercado da ação COIN, listada na Nasdaq.
A acusação ganha contornos ainda mais graves quando se considera que a Coinbase, apesar de publicamente reconhecer a tentativa de extorsão no valor de US$ 20 milhões, não ofereceu transparência suficiente sobre a real extensão dos dados acessados e tampouco comunicou com a devida diligência os acionistas e reguladores sobre os riscos operacionais envolvidos na gestão de suas plataformas. Em termos práticos: a quebra de confiança institucional somada à volatilidade do setor cripto resultou em danos concretos aos investidores que se basearam nas informações públicas para tomar decisões financeiras.
No centro do processo, movido no Tribunal Federal da Pensilvânia, está a afirmação de que a divulgação tardia desses eventos provocou uma queda abrupta nas ações da Coinbase, em um movimento que, embora parcialmente revertido nos dias subsequentes, gerou prejuízos diretos a milhares de acionistas, especialmente os que atuam com posições de curto e médio prazo.
A revelação do incidente ocorreu em 15 de maio de 2025, quando a Coinbase confirmou que sofreu uma tentativa de extorsão dias antes, com suborno de funcionários do suporte ao cliente para que concedessem acesso a sistemas internos. Os invasores conseguiram roubar uma quantidade limitada de dados de contas de usuários. Mesmo limitada, a brecha gerou alerta no mercado: os papéis da empresa caíram 7,2%, fechando a US$ 244, para depois recuperarem 9% no dia seguinte. Ainda assim, a volatilidade reforçou a tese de que o evento não foi comunicado com a antecedência e transparência esperadas por uma empresa listada.
No mercado, o contexto é ainda mais preocupante. A ação COIN acumula alta de cerca de 6% em 2025, mas enfrenta oscilações severas desde que o setor cripto passou a conviver com um novo ciclo de regulação agressiva e judicialização de práticas consideradas abusivas. O processo liderado por Nessler é o primeiro a conectar diretamente a queda das ações com a omissão de informações relevantes, criando precedente perigoso para a Coinbase.
E não é o único processo em curso. Segundo levantamento recente, ao menos seis ações coletivas foram ajuizadas contra a Coinbase nos dias seguintes à revelação da violação de dados, todas apontando falhas graves na gestão do incidente, além da incapacidade de proteger adequadamente os dados dos usuários. Isso coloca a empresa sob uma pressão judicial inédita, com potencial de se tornar um novo marco regulatório no mercado de criptomoedas.
Outro elemento que pesa contra a Coinbase diz respeito à violação de um acordo firmado em 2020 com a FCA, no Reino Unido. Em julho de 2024, o braço britânico da Coinbase foi multado em US$ 4,5 milhões por permitir, deliberadamente, o cadastro de 13.416 clientes considerados de alto risco, algo expressamente proibido no termo de cooperação voluntária firmado quatro anos antes. O regulador britânico entende que a empresa agiu em desacordo com diretrizes básicas de compliance, ao permitir que indivíduos classificados como “potencialmente perigosos para o sistema financeiro” pudessem operar com criptoativos sem supervisão adequada.
Essa multa, segundo alegação formal de Brady Nessler, resultou em uma queda imediata das ações da Coinbase em mais de 5%, fechando a US$ 231,52 em 25 de julho de 2024. Ainda mais grave é a acusação de que a empresa omitiu esse histórico de violação no seu prospecto de IPO, ocorrido em abril de 2021, quando ingressou na bolsa Nasdaq com forte apelo de governança e compliance — elementos que, agora, estão sendo contestados judicialmente.
Segundo Nessler, se a violação do acordo com a FCA fosse de conhecimento público, ele jamais teria adquirido as ações pelos valores de mercado da época, pois estariam artificialmente valorizadas por conta da supressão dessas informações relevantes. Para investidores institucionais e analistas de risco, esse ponto específico — a supressão de riscos no momento da abertura de capital — pode ser interpretado como fraude de valores mobiliários, com consequências severas, inclusive penais, para os executivos envolvidos.
O processo movido por Nessler busca indenização para todos que compraram ações da Coinbase entre 14 de abril de 2021 e 14 de maio de 2025, período que abarca desde o IPO até o reconhecimento público da tentativa de extorsão e da violação de dados. Além da Coinbase, o CEO Brian Armstrong e a diretora financeira Alesia Haas foram nominados como réus, aumentando a complexidade do caso e ampliando os riscos reputacionais para a cúpula executiva da empresa.
A Coinbase, até o momento, não se manifestou publicamente sobre o novo processo, tampouco apresentou defesa ou nota à imprensa. O silêncio, neste contexto, amplifica o desconforto do mercado e abre espaço para especulações sobre a real extensão dos riscos jurídicos e financeiros envolvidos.
Adicionalmente, outro processo — movido no estado de Illinois — acusa a Coinbase de não informar corretamente os usuários sobre a coleta e armazenamento de dados biométricos, prática que, nos Estados Unidos, é altamente sensível e regulamentada por leis estaduais específicas. Essa acusação amplia o escopo de risco regulatório da empresa e pode gerar sanções complementares em múltiplas jurisdições.
Para os investidores que acompanham o setor cripto de perto, esse episódio representa um ponto de inflexão. O caso da Coinbase sinaliza uma nova era de responsabilização de plataformas digitais que atuam com ativos descentralizados mas buscam capitalização no mercado tradicional. A mensagem dos reguladores e do sistema judiciário é clara: não há mais espaço para empresas que tentam operar entre os mundos regulado e não-regulado sem prestar contas de forma transparente a seus acionistas e usuários.
O impacto de curto prazo pode parecer limitado, considerando que as ações da Coinbase continuam dentro de uma faixa de oscilação previsível para ativos do setor. Contudo, o risco de uma condenação milionária ou, pior, de revelações adicionais que corroam a confiança dos investidores institucionais, pode comprometer o valuation futuro da companhia, dificultando a captação de novos recursos e afetando suas operações globais.
A lição que fica para os investidores da Open Investimentos e para quem acompanha o mercado de tecnologia e inovação é cristalina: governança, transparência e conformidade regulatória não são apenas elementos de marketing institucional — são pilares estruturais que definem a sobrevivência de empresas em setores de alto risco. O caso Coinbase poderá ser lembrado como um divisor de águas na forma como o mercado financeiro tradicional interage com o universo cripto, exigindo maturidade e responsabilidade de ambos os lados.
Com informações Cointelegraph
