EUA e Coreia do Sul iniciam negociações que podem redefinir tarifas globais

Os bastidores da economia internacional voltam a pulsar com força em um momento de extrema sensibilidade para os

O então vice-ministro das Finanças da Coreia do Sul, Choi Sang-mok, reage durante uma entrevista à Reuters em Seul, Coreia do Sul, em 16 de junho de 2016. REUTERS/Kim Hong-Ji

Os bastidores da economia internacional voltam a pulsar com força em um momento de extrema sensibilidade para os mercados globais. Nesta semana, Coreia do Sul e Estados Unidos protagonizarão uma nova rodada de consultas comerciais estratégicas, conforme anunciou o Ministério do Comércio sul-coreano. Embora a pauta específica permaneça sob sigilo, o timing e os personagens envolvidos indicam que não se trata de uma simples formalidade diplomática. Pelo contrário: essa movimentação sinaliza ajustes importantes nas engrenagens do comércio internacional, com implicações diretas para investidores que acompanham os fluxos de capitais globais, cadeias produtivas e políticas tarifárias.

A reunião está programada para ocorrer em Washington, nos bastidores dos encontros de primavera do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial. Participarão, pela Coreia do Sul, o Ministro das Finanças, Choi Sang-mok, e o Ministro do Comércio, Ahn Duk-geun. Do lado americano, as negociações terão como protagonistas o Representante de Comércio dos EUA, Jamieson Greer, e o Secretário do Tesouro, Scott Bessent. Ou seja, os pesos pesados da formulação econômica e comercial das duas nações estarão frente a frente para repactuar termos que podem redefinir o cenário tarifário entre os países nos próximos meses — ou até mesmo anos.

A principal expectativa gira em torno da tarifa recíproca de 25%, imposta pelo ex-presidente Donald Trump à Coreia do Sul durante sua gestão. Apesar de a medida estar atualmente suspensa, o temor de sua reativação paira no ar, especialmente num ano em que as eleições presidenciais nos EUA colocam a agenda econômica no centro do debate. A Coreia do Sul, como importante polo industrial e tecnológico, busca garantias de que seus produtos — em especial semicondutores, automóveis e componentes eletrônicos — continuarão a ter acesso competitivo ao mercado norte-americano.

E por que esse movimento é tão relevante agora? O mundo passa por uma reconfiguração das cadeias de suprimentos, impulsionada por fatores como tensões geopolíticas, guerra comercial entre EUA e China, reindustrialização ocidental e a aceleração das transições energética e digital. Neste contexto, a Coreia do Sul emerge como uma peça-chave, tanto por sua proximidade geográfica com a China quanto por seu papel de liderança tecnológica. Para os EUA, manter um relacionamento saudável e previsível com Seul é essencial para garantir uma posição sólida no tabuleiro do Indo-Pacífico e, sobretudo, para viabilizar projetos estratégicos de reshoring industrial, que dependem de parceiros confiáveis.

A tensão, contudo, é palpável. O modelo de tarifação adotado por Donald Trump — de retaliações bilaterais disfarçadas de proteção comercial — inaugurou uma nova era no comércio global: a da insegurança regulatória sistêmica. Tarifas antes impensáveis passaram a ser anunciadas por tweets, e acordos bilaterais começaram a valer mais do que décadas de negociações na OMC. Mesmo após sua saída da presidência, o legado dessa política segue vivo, com boa parte das medidas ainda em vigor ou apenas “pausadas”, como é o caso da Coreia do Sul. A eventual volta de Trump ao poder reacenderia, com força total, esse modelo de política econômica.

Para investidores, esse cenário exige mais do que atenção: exige leitura estratégica e posicionamento de longo prazo. A retomada das negociações entre Seul e Washington sugere que ambos os lados estão conscientes dos riscos políticos à frente. A Coreia do Sul quer blindar seus ativos e exportações contra oscilações políticas americanas. Já os EUA, mesmo com um discurso de proteção ao trabalhador doméstico, reconhecem a importância de manter o acesso a insumos industriais críticos que apenas aliados estratégicos como Seul podem fornecer.

É importante lembrar que a economia sul-coreana é amplamente voltada para a exportação. Empresas como Samsung, Hyundai e LG representam o que há de mais sofisticado em tecnologia de consumo, e dependem de mercados como o norte-americano para continuar crescendo. Qualquer aumento tarifário representaria um golpe direto sobre suas margens de lucro e sobre sua capacidade de competir globalmente — o que, por sua vez, impacta diretamente no valor de mercado dessas empresas e nos retornos dos investidores internacionais.

A reunião ocorre num momento em que o governo sul-coreano busca reposicionar o país como protagonista global no setor de semicondutores, especialmente após os gargalos de produção gerados pela pandemia e pelo aumento da demanda por chips em setores estratégicos como automóveis, inteligência artificial e segurança nacional. O acesso ao mercado americano sem barreiras tarifárias é condição essencial para que a Coreia do Sul mantenha sua competitividade e sua liderança tecnológica — o que afeta diretamente o capital estrangeiro investido em suas companhias.

Do ponto de vista dos EUA, há também uma pressão interna crescente por políticas industriais mais nacionalistas. A Lei de Redução da Inflação (Inflation Reduction Act) e os incentivos para produção doméstica de baterias, painéis solares e chips mostram que Washington está disposta a subsidiar sua indústria para torná-la menos dependente da Ásia. Mas isso não significa um rompimento completo com seus aliados — pelo contrário. O que se vê é uma tentativa de criar um novo bloco produtivo, que priorize países alinhados política e economicamente com os EUA, em detrimento da China.

Nesse cenário, investidores atentos enxergam oportunidades de ouro. Se as negociações entre Coreia do Sul e EUA forem bem-sucedidas, é provável que vejamos um aumento no fluxo de capital para empresas sul-coreanas, especialmente aquelas com forte presença nos EUA ou potencial de expansão no Ocidente. Da mesma forma, empresas americanas com operações na Coreia ou dependentes de tecnologia sul-coreana poderão ganhar estabilidade jurídica e previsibilidade regulatória, o que também deve impactar positivamente seus valuations.

Não é exagero dizer que esta reunião tem potencial para redefinir vetores estruturais da economia global. As negociações bilaterais substituíram os fóruns multilaterais como principal palco de decisões comerciais, e os investidores mais bem informados sabem que é nos bastidores dessas reuniões que o futuro é decidido. A presença de autoridades de primeira linha nos encontros desta semana em Washington reforça que estamos diante de uma oportunidade única de antecipar tendências e reposicionar carteiras de forma estratégica.

Outro ponto que merece atenção é o papel do dólar nesse xadrez. Caso os EUA decidam aliviar tarifas sobre produtos coreanos, o movimento poderá estimular as exportações da Coreia do Sul e fortalecer sua moeda, o won, frente ao dólar. Para investidores que operam com posições cambiais ou que possuem ativos denominados em moeda sul-coreana, essa possibilidade deve ser considerada com cautela — tanto como proteção quanto como oportunidade.

Além disso, é importante observar os desdobramentos políticos internos nos EUA. Em um ano eleitoral, com o cenário ainda indefinido entre a continuidade do governo Biden e o possível retorno de Donald Trump, a volatilidade das decisões comerciais tende a aumentar. A atual pausa nas tarifas é, em grande parte, fruto de uma estratégia de moderação do governo Biden, mas pode ser revertida com relativa facilidade, caso a balança política se incline novamente para o populismo econômico. Logo, o que for acordado nesta rodada de negociações pode ser tanto um instrumento de blindagem para o futuro quanto um mero alívio temporário — e os mercados, como sempre, precificam ambos os cenários.

A ausência de uma agenda divulgada oficialmente revela que as negociações envolvem temas sensíveis e, muito provavelmente, cláusulas de confidencialidade. Isso, por si só, reforça a tese de que os temas em discussão extrapolam questões comerciais e tocam em áreas como segurança tecnológica, cadeias de abastecimento militar e acordos de cooperação estratégica. Investidores institucionais devem monitorar de perto qualquer sinal vindo de comunicados oficiais, vazamentos seletivos ou declarações públicas dos envolvidos, pois essas entrelinhas geralmente antecipam os movimentos de mercado mais significativos.

Por fim, é essencial entender que esse tipo de negociação não acontece em um vácuo. Ela reflete uma tendência mais ampla de recalibragem das alianças econômicas globais, na qual países como Coreia do Sul, Japão, Taiwan, Índia e Austrália assumem um protagonismo cada vez maior como aliados preferenciais dos EUA na contenção à China. Para o investidor bem informado, isso significa uma mudança na geografia do capital, com novas rotas de investimento e um reposicionamento das prioridades geopolíticas do Ocidente.

A reunião entre os ministros sul-coreanos e seus pares americanos pode, à primeira vista, parecer apenas mais um compromisso na agenda de um grande evento internacional. Mas para quem compreende a lógica dos mercados e a complexidade das relações comerciais modernas, ela representa um momento de inflexão. Um divisor de águas. Uma oportunidade de ler nas entrelinhas os movimentos do futuro — e, com isso, tomar decisões mais estratégicas, mais informadas e, sobretudo, mais lucrativas.

Com informações Reuters

newlestter

Assine gratuitamente nosso boletim informativo, e receba em sua caixa de e-mail diariamente as últimas novidades sobre mercado investimentos global

plugins premium WordPress