
O recente movimento da socimi espanhola Trajano, gerida pela DWS, ao vender o centro comercial Nosso Shopping, em Portugal, marca não apenas o encerramento estratégico de um ciclo de investimentos, mas também revela de forma contundente o apetite internacional por ativos de alta qualidade localizados em regiões estratégicas da Europa. A venda, realizada por 78,83 milhões de euros, para o fundo L Catterton, braço de investimentos da poderosa LVMH — sim, a mesma que comanda marcas como Louis Vuitton, Dior e Moët & Chandon —, não é apenas um dado do mercado imobiliário europeu. Trata-se de um indicador valioso de como capital global está reposicionando-se de maneira estratégica em ativos imobiliários resilientes e com alto potencial de valorização regional.
Em primeiro lugar, devemos observar o timing: a venda ocorre num momento em que o setor de varejo físico ainda se recupera dos impactos causados pela pandemia, mas já apresenta sinais claros de transformação — e oportunidades. A L Catterton, pertencente ao ecossistema da LVMH, tem feito movimentos seletivos e assertivos em mercados que oferecem não apenas retorno financeiro, mas também simbologia e capilaridade regional. E Vila Real, no norte de Portugal, apesar de modesta em escala nacional, tem uma relevância estratégica por sua exclusividade geográfica: não há concorrentes num raio de 100 quilômetros. Isso não é apenas uma vantagem, é um verdadeiro trunfo para o varejo de marcas premium e massificadas.
A área bruta locável de 21 mil m² e mil vagas de estacionamento refletem um ativo maduro, completo e ajustado à realidade de consumo da população local e regional. Mais do que números, isso revela eficiência: o centro comercial já alcançava 100% de ocupação antes da transação, uma façanha em tempos de incerteza econômica e mudança de hábitos de consumo. E não se trata de qualquer ocupação: o mix de lojistas inclui as principais marcas do grupo Inditex (como Zara e Massimo Dutti), Tous, FNAC, Sportzone, Tiffosi, além do hipermercado Alcampo, cinemas Nos e grandes nomes da restauração. Ou seja, há um ecossistema diversificado, resiliente e consolidado.
Outro ponto que merece destaque é o retorno obtido pela Trajano ao longo dessa jornada. Quando adquiriu o Nosso Shopping em 2015, o valor pago foi de 53 milhões de euros. Agora, com a venda por quase 79 milhões, há uma valorização expressiva do ativo — um ganho bruto superior a 48% em menos de uma década, sem considerar receitas operacionais durante o período. Isso não aconteceu por acaso. Como revelado no comunicado oficial, diversas iniciativas de gestão foram implementadas ao longo dos anos — e aqui está o segredo do sucesso: gestão ativa, inteligente e estratégica. Não basta adquirir um ativo. É preciso transformá-lo.
E a estratégia de desinvestimento da Trajano foi ainda mais ampla. A venda do Nosso Shopping vem na esteira de outra transação recente: a venda do centro comercial Alcalá Magna, em Madrid, por 96,3 milhões de euros, à empresa Lighthouse Properties, da África do Sul. Ambos os ativos foram colocados no mercado simultaneamente, em junho do ano passado, e foram vendidos num intervalo de apenas um mês entre si. Isso não apenas demonstra o interesse dos investidores globais pelo setor de shoppings centers europeus, como também evidencia a atratividade dos ativos da carteira da Trajano.
Para os investidores que acompanham a Open Investimentos, essa movimentação revela tendências e oportunidades de leitura estratégica para aplicação de capital no mercado europeu. O envolvimento de nomes como DWS, LVMH e Lighthouse mostra que o dinheiro institucional está voltando com força ao setor imobiliário comercial, desde que o ativo tenha fundamentos sólidos. E mais: aponta para um reposicionamento dos grandes players, saindo de ativos geradores de renda para reinvestir em novas frentes — seja no digital, no luxo, ou em novos formatos híbridos de consumo.
E por que a L Catterton decidiu entrar com força nesse tipo de operação? A resposta está nos bastidores do capital de luxo. A holding da Louis Vuitton está apostando num modelo que integra investimentos de consumo com posicionamento físico em pontos estratégicos. Acredita-se que, mesmo em tempos de avanço do e-commerce, a experiência física continua sendo uma âncora de fidelização e fortalecimento de marca — especialmente fora dos grandes centros urbanos, onde a presença digital é limitada por questões logísticas ou de hábito do consumidor.
Outro fator relevante é que essa movimentação da LVMH não é isolada. Grandes conglomerados de luxo e fundos associados estão cada vez mais interessados em locais onde a penetração de marcas ainda está em crescimento. Ao entrar em Vila Real, a L Catterton não está apenas comprando um shopping center. Está assumindo um canal direto com consumidores de uma região inteira — consumidores que antes precisavam viajar longas distâncias para acessar certas marcas e serviços, e que agora passam a ter esse acesso ao lado de casa. É uma estratégia de capilarização e democratização do consumo premium.
Do ponto de vista de alocação de capital, esse movimento revela uma lógica sofisticada: comprar ativos estabilizados, com gestão otimizada, fluxo de caixa previsível e capacidade de valorização por expansão de mix ou requalificação de áreas comuns. Para investidores brasileiros que pensam em diversificação internacional, isso é um case de benchmarking. Afinal, o mercado europeu, mesmo com sua maturidade, ainda oferece nichos altamente rentáveis quando a análise é feita com precisão e visão de longo prazo.
Essa operação também reforça a tese de que o shopping center não morreu. Muito pelo contrário. Ele se transformou. De templo de consumo do século XX, tornou-se um hub de experiência, convivência, gastronomia e serviços. E, para fundos como a L Catterton, representa uma plataforma de distribuição física para marcas próprias e investidas, além de fonte de retorno financeiro por meio de aluguéis e eventual venda futura com ganho de capital. Ou seja, o shopping do futuro — ou, melhor dizendo, do presente — é aquele que se reinventa constantemente com gestão ativa, propósito comercial bem definido e conexão com o entorno.
Ao liquidar seus dois principais ativos num curto intervalo de tempo e com ganhos expressivos, a Trajano Iberia reforça sua competência em real estate com foco estratégico. A empresa sinaliza que está pronta para novos ciclos, novos ativos, ou mesmo novas geografias. E o mercado percebe isso com bons olhos: bons gestores sabem a hora certa de entrar e sair — e isso vale ouro para quem acompanha os movimentos globais de capital, como fazem os leitores do Open Investimentos.
Se você está atento a essas movimentações, entenderá que cada venda desse porte é, na verdade, uma mensagem para o mercado. O capital europeu e global continua ativo, exigente e seletivo. E o Brasil, com seu mercado imobiliário ainda em expansão e com regiões que replicam características de exclusividade como as de Vila Real, pode — e deve — se inspirar em casos assim para atrair investidores qualificados.
Portanto, fique atento: essas movimentações são faróis que iluminam os caminhos que o grande capital está trilhando. E, para quem investe com inteligência, cada venda como essa pode revelar oportunidades ainda maiores — especialmente quando se olha com profundidade, análise técnica e sensibilidade comercial.
Com informações Reuters