O discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na sexta-feira, 20 de dezembro, ao lado de Gabriel Galípolo e seus principais ministros, mais do que um simples ato simbólico, foi um claro sinal de como o governo se posiciona diante das tensões no cenário econômico do Brasil e da postura adotada em relação ao Banco Central (BC). O contexto é crítico: mercados volúveis, uma moeda em queda e uma bolsa em retração, o que reflete uma desconfiança difusa sobre o quadro fiscal do país. No entanto, a palavra de Lula, reforçada pelo comprometimento público com a autonomia do Banco Central e a estabilidade econômica, busca não apenas acalmar os mercados, mas também estabelecer um ambiente de previsibilidade. Mas será que esse discurso, por mais alinhado com as necessidades de um cenário tumultuado, é realmente suficiente para mitigar a ansiedade dos investidores e as turbulências macroeconômicas?
O gesto de Lula, ao afirmar com convicção que “não haverá interferência” no trabalho de Galípolo à frente do Banco Central, foi uma tentativa deliberada de pacificar as relações entre o governo e a instituição. Ao destacar a competência e o compromisso de Galípolo, um profissional com longa trajetória na área econômica, o presidente insinua que o ciclo de desconfiança que marcou a relação com Roberto Campos Neto, antigo presidente do BC e ex-indicado por Jair Bolsonaro, ficou para trás. Durante a gestão de Campos Neto, a independência da instituição era muitas vezes colocada em xeque, não só pela sua ligação política com o governo anterior, mas também pela implementação de políticas monetárias vistas como pouco flexíveis e excessivamente ortodoxas. A polarização nesse campo foi evidente, com acusações de que o BC estava “saboteando” o governo.
Agora, com a mudança de comando no BC, Lula parece adotar uma postura diferente. Galípolo, seu indicado, é visto como um economista com grande experiência, e sua nomeação foi recebida com otimismo, pelo menos inicialmente, por grande parte do mercado. O presidente, ao afirmar que confia em Galípolo e que o BC “terá verdadeira autonomia”, tenta transmitir uma mensagem clara: o governo não intervirá nas decisões da instituição. Mas aqui reside a questão: será que o mercado aceitará essa promessa de autonomia sem, ao mesmo tempo, exigir ações concretas para que essa independência se materialize na prática?
O governo, em suas declarações, tem tentado mostrar que, apesar da recente turbulência nos mercados, os indicadores econômicos do Brasil são positivos. O discurso de Lula, ao destacar a importância da estabilidade econômica e da luta contra a inflação, é uma tentativa de reafirmar a confiança nas políticas fiscais e monetárias do governo. No entanto, a subida do dólar e as quedas na bolsa não podem ser ignoradas como simples flutuações. Eles são sintomas de uma crise de confiança, cujas causas remontam a uma série de fatores complexos e interligados.
Primeiro, há o impacto das medidas fiscais do governo, que podem ter gerado receios sobre o aumento do endividamento público e o efeito disso sobre a inflação e a política monetária. Segundo, a questão da confiança institucional é ainda muito relevante. Apesar da promessa de autonomia do BC, as ações do governo no campo fiscal e suas frequentes declarações sobre o controle da economia ainda geram incerteza. O mercado não reage apenas ao que é dito, mas também ao que é feito, e por mais que Lula e seus ministros garantam que a estabilidade será preservada, o medo de que as políticas fiscais frouxas possam prejudicar a trajetória da inflação e da dívida pública ainda é palpável.
No vídeo, em que Lula, Galípolo e os ministros Haddad, Tebet e Costa aparecem juntos, o presidente procura transmitir um discurso de unidade e compromisso com a estabilidade. A presença de Galípolo ao lado de Lula é uma tentativa de validar a figura do novo presidente do Banco Central e afastar quaisquer suspeitas de que sua nomeação seria parte de um plano maior de subordinação da instituição ao governo. Mas a pergunta persiste: será que o mercado acredita que esse compromisso será realmente cumprido? Afinal, o papel do BC em controlar a inflação, garantir a estabilidade da moeda e fiscalizar as políticas monetárias segue sendo um dos maiores desafios para qualquer governo, principalmente em tempos de inflação galopante e um cenário fiscal em desequilíbrio.
Lula também se dirige ao tema da relação com o mercado, garantindo que “ninguém vai brigar com o mercado”, mas que a intenção é, ao contrário, “pacificar essa relação”. O uso de um tom conciliatório busca passar a ideia de que o governo não deseja impor suas vontades sobre os agentes econômicos, mas sim criar um ambiente em que o setor privado se sinta seguro para investir e operar. No entanto, um dos principais problemas dessa abordagem é que o mercado não reage apenas a palavras, mas a ações. E as ações ainda estão sendo observadas com muita atenção. A reforma fiscal, as promessas de ajuste nas contas públicas, o controle da inflação e, acima de tudo, a confiança na independência do Banco Central são pontos-chave para que esse ambiente de “pacificação” seja de fato viável.
O momento também é delicado do ponto de vista global. A instabilidade no Brasil reflete uma série de questões internas, como a elevada dívida pública, a pressão inflacionária, as incertezas fiscais e as mudanças na política monetária, mas também é influenciada por fatores externos. A recuperação econômica global ainda é incerta, com as tensões geopolíticas, a volatilidade dos preços das commodities e os efeitos das taxas de juros elevadas nas economias desenvolvidas. Nesse contexto, o Brasil não está isolado. As expectativas para 2025, quando o governo acredita que até o dólar se estabilizará, são otimistas, mas carecem de concretude. A estabilidade da moeda brasileira, em particular, depende de uma série de fatores internos e externos que estão fora do controle direto do governo, como o comportamento dos preços das commodities e o fluxo de investimentos estrangeiros.
O almoço de confraternização no Palácio da Alvorada, que teve um tom mais leve devido à recuperação de Lula após uma cirurgia, serve como pano de fundo para essa narrativa política e econômica. A reunião ministerial, normalmente realizada no final do ano, foi substituída por um evento mais informal, o que reflete, talvez, o desejo do presidente de suavizar as tensões e promover um clima de harmonia entre seus ministros. Mas a política fiscal e a condução econômica do país não podem ser tratadas de forma leviana. O cenário exige ações precisas, focadas e, acima de tudo, um comprometimento com a redução da volatilidade.
Em um cenário como esse, em que o governo tenta navegar entre a necessidade de realizar reformas profundas e a pressão do mercado por sinais claros de compromisso com a estabilidade, a palavra final será dada pelos resultados. O trabalho de Galípolo à frente do Banco Central, as reformas fiscais e o comportamento do mercado serão os indicadores reais de que a autonomia prometida ao BC será, de fato, respeitada, e que o Brasil conseguirá restaurar a confiança no seu modelo econômico.
Se Lula realmente deseja evitar mais conflitos com o mercado, ele precisará ir além das palavras e demonstrar que as promessas feitas no vídeo não são apenas um discurso de boas intenções, mas sim um reflexo de uma mudança concreta na maneira como o governo lida com as questões fiscais e monetárias. O Brasil está em uma encruzilhada, e a forma como o governo se posiciona agora determinará, em grande parte, o rumo da economia nos próximos anos. O discurso de Lula, ao mesmo tempo que busca ser conciliador e pacificador, também precisa ser um reflexo de ações claras e decisivas, se o país deseja evitar mais turbulências.
Com informações Reuters